O Corpo e o Feminino na Maturidade: O Resgate do Narcisismo Diante dos Padrões de Beleza

🕒 Publicado em 11/11/2024

O amadurecimento feminino é, muitas vezes, atravessado por uma série de dilemas que vão além das mudanças físicas. No processo de envelhecimento, o corpo da mulher passa a ser alvo de uma crescente pressão social, sobretudo em relação aos padrões de beleza que exaltam a juventude como única forma de valor. No entanto, essa fase da vida pode ser encarada como uma oportunidade única de resgatar algo fundamental: o narcisismo saudável, tão essencial para a construção do feminino e da identidade.

Ao evocar a teórica psicanalista Janine Chasseguet-Smirgel, que aponta o narcisismo como uma estrutura vital na constituição do ego, percebe-se que o confronto com o envelhecimento feminino aciona questões profundas do inconsciente. No contexto do Complexo de Édipo, o narcisismo da mulher está diretamente relacionado à sua imagem especular, à forma como ela se reconhece e se valoriza diante do espelho e do olhar do outro. No entanto, o que ocorre quando esse espelho reflete um corpo que já não responde mais aos ideais juvenis de perfeição?

Nesse momento, muitas mulheres, movidas pela ansiedade diante do envelhecimento, recorrem às cirurgias plásticas e procedimentos estéticos, numa tentativa de “reter” a juventude e manter o desejo do Outro. O corpo passa a ser tratado como objeto de reparação, um local onde a falha deve ser corrigida. A promessa é de que, ao aderir a esses padrões de beleza, a felicidade será conquistada – mas será que essa promessa se sustenta?

A psicanalista Joyce McDougall destaca que, muitas vezes, o corpo feminino é o local de uma batalha entre o eu desejante e o eu objetificado. Quando a mulher madura tenta se encaixar em um ideal de beleza imposto externamente, ela corre o risco de perder a relação com o próprio desejo. O narcisismo, que deveria ser fonte de autorreferência e autossuficiência emocional, é deslocado para o olhar do outro. A mulher, nesse contexto, busca ser confirmada na sua feminilidade por meio da aparência, ao invés de resgatar uma relação íntima e amorosa consigo mesma.

O aumento significativo de cirurgias plásticas reflete a intensificação desse processo. Contudo, o que se observa é que esses procedimentos, embora possam proporcionar uma melhora temporária na autoestima, não necessariamente tocam nas camadas mais profundas do sofrimento psíquico. A satisfação oferecida pelo corpo refeito é frequentemente efêmera, pois não responde à necessidade de reestabelecer o eixo narcísico em sua totalidade.

É nesse ponto que o resgate do narcisismo torna-se crucial para a mulher que amadurece. Voltar-se para si mesma, não no sentido egoísta, mas como um movimento de reconexão com o seu desejo e com seu corpo em transformação, é um ato de profunda reintegração. Nesse sentido, o narcisismo saudável é o que permite que a mulher se veja como valorosa e desejante, independentemente de atender às expectativas de um padrão estético ou à aprovação do outro. Esse narcisismo não se enraíza na superfície, mas sim na capacidade de aceitar e amar o corpo, não como ele “deveria ser”, mas como ele é.

O trabalho da psicanalista Maud Mannoni também nos oferece uma chave para pensar esse resgate. Para ela, o feminino é, antes de tudo, uma construção, que vai além da função materna ou da aparência física. Na maturidade, a mulher pode se reposicionar diante de sua própria feminilidade, resgatando seu poder de desejar e ser desejada, mas sem se reduzir a um objeto. Nesse sentido, o envelhecimento não precisa ser vivido como uma perda de valor, mas como uma ampliação da capacidade de se conectar com a sua subjetividade, com seus desejos mais profundos e autênticos.

Assim, o verdadeiro desafio do corpo feminino na maturidade não está em se conformar aos ditames da juventude eterna, mas em resgatar o poder narcísico que reside em aceitar e valorizar a si mesma, em todas as suas fases. O corpo que envelhece carrega histórias, sabedorias e a potência de um feminino que transcende as aparências. O reencontro com esse corpo é também um reencontro com a própria essência, e é aí que reside a verdadeira beleza – uma beleza que, ao contrário da juventude, pode se expandir com o tempo.





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