Mãe de Pet: Escolha ou Subversão? Reflexões Psicanalíticas sobre um Novo Modelo de Afeto

🕒 Publicado em 17/11/2024

Nos últimos anos, a expressão “mãe de pet” deixou de ser apenas uma brincadeira para se tornar um fenômeno cultural significativo. Cada vez mais mulheres, especialmente na faixa dos 35 aos 60 anos, optam por cuidar de um animalzinho de estimação ao invés de de seguir os caminhos tradicionais da maternidade. Mas o que isso nos diz sobre a sociedade atual e sobre as mudanças que estamos vivenciando em termos de afeto e vínculos?

A Maternidade Sob Nova Perspectiva: Questões Culturais e Psicanalíticas

Vivemos em uma era em que as expectativas em torno da maternidade estão mudando profundamente. Durante grande parte da história, o papel social da mulher foi rigidamente associado ao cuidar, nutrir e criar filhos. No entanto, à medida que as mulheres conquistaram mais espaço no mercado de trabalho e maior autonomia sobre suas próprias vidas, esse papel começou a ser questionado.

Do ponto de vista psicanalítico, Lacan sugere que o desejo não é uma essência fixa, mas algo moldado pelos significantes que recebemos da sociedade. Em um mundo onde as mulheres são constantemente bombardeadas com expectativas de sucesso profissional, independência financeira e perfeição, o desejo de ser mãe, muitas vezes, é deslocado ou reconfigurado. Ser “mãe de pet” pode, assim, ser uma forma de redirecionar o desejo de cuidado sem se submeter às pressões sociais da maternidade tradicional.

Substituição ou Nova Forma de Amor?

Não se trata apenas de “substituir” filhos humanos por filhos peludos, mas sim de uma transformação na maneira como nos relacionamos com o afeto e a responsabilidade. Ferenczi argumentava que o cuidado pode ser uma expressão de amor, mas também uma forma de se proteger da dor e da solidão. Em um mundo em que relações interpessoais se tornaram mais fragmentadas, os pets oferecem uma resposta para a necessidade de um vínculo genuíno, sem as complexidades emocionais que muitas vezes surgem nas relações humanas.

Na prática, muitas mulheres relatam que o amor incondicional que recebem de seus pets as ajuda a lidar com os desafios emocionais do climatério, com a sensação de perda de um propósito após os filhos humanos crescerem ou mesmo com a solidão que surge ao longo da vida. Assim, ser mãe de pet é também um ato de cuidado consigo mesma — uma maneira de cultivar o afeto sem abrir mão da própria liberdade.

Desafios e Criticismos: “Não É a Mesma Coisa”

Ainda assim, muitas mulheres que optam por não ter filhos e se identificam como mães de pet enfrentam críticas sociais severas. Afinal, não são raros os olhares de reprovação ou comentários como: “Isso não é a mesma coisa que ser mãe de verdade!”. Essa crítica não é apenas um reflexo de uma resistência cultural, mas também do desconforto que surge quando padrões estabelecidos são subvertidos.

Segundo Winnicott, o ambiente cultural exerce uma pressão constante sobre o indivíduo para que ele se conforme às normas sociais. Quando uma mulher escolhe ser mãe de pet em vez de ter filhos, ela está, de certa forma, questionando a noção tradicional de maternidade e abrindo caminho para novas formas de afeto. Esse movimento pode ser visto como uma subversão saudável, uma maneira de redefinir o que significa ser mulher e cuidadora no mundo contemporâneo.

Climatério e a Maternidade de Pet: Um Novo Espaço para o Cuidado

O climatério, muitas vezes, é um período marcado por uma sensação de perda de controle sobre o próprio corpo e as próprias emoções. Em meio a essas transformações, os pets surgem como uma fonte estável de afeto e uma forma de resgatar a capacidade de cuidar e nutrir. Para muitas mulheres, cuidar de um pet durante essa fase é uma maneira de reafirmar sua capacidade de amar, sem necessariamente seguir o roteiro pré-estabelecido de ser mãe biológica ou avó.

Além disso, podemos pensar na maternidade de pet como um espaço de criação de um “self verdadeiro”, como diria Winnicott. Ao cuidar de um pet, muitas mulheres encontram um espaço onde podem ser autênticas, onde não há julgamentos ou expectativas irreais. Esse vínculo permite que a mulher, muitas vezes sobrecarregada pelas pressões sociais, se reconecte com sua própria essência e seus desejos.

Reflexões Finais: A Maternidade de Pet como Escolha Legítima

No fim das contas, ser mãe de pet é uma escolha legítima e profundamente significativa para muitas mulheres. Ela reflete não apenas uma mudança nas normas sociais, mas também uma transformação nos desejos e necessidades emocionais das mulheres contemporâneas. Ao escolher essa forma de maternidade, essas mulheres estão, de certa forma, reivindicando o direito de cuidar, amar e ser cuidadas da maneira que melhor lhes convém.

O importante é entender que, na psicanálise, não há uma hierarquia de afetos. O que importa é o vínculo, o cuidado e a autenticidade com que se constrói essa relação. Portanto, seja você mãe de um filho de carne e osso ou de um pet de pelos e patas, o que realmente importa é a capacidade de amar — e isso, como bem dizia Winnicott, é algo que se aprende e se cultiva ao longo da vida.

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Vivemos em tempos onde novos modelos de vida e afeto estão surgindo. E, nesse processo, precisamos abrir espaço para que cada mulher possa encontrar suas próprias formas de cuidar e ser cuidada. Afinal, o amor não se mede pela biologia, mas pela capacidade de nos conectarmos profundamente com outro ser — seja ele humano ou animal. 💜🐾





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