🕒 Publicado em 18/11/2024
O que significa ser homem hoje? Em um mundo onde os antigos paradigmas masculinos se mostram insuficientes e ultrapassados, muitos homens se encontram em uma encruzilhada. Entre o desejo de se libertar de papeis estereotipados e a dificuldade de se conectar emocionalmente consigo mesmos e com os outros, emerge uma profunda angústia.
A psicanálise, com seu olhar atento às transformações sociais e subjetivas, nos oferece um espaço para refletir sobre essas questões. Ao lado de pensadores como Richard Sennett, Gilles Lipovetsky e Zygmunt Bauman, podemos lançar luz sobre o que é, afinal, o sofrimento do homem contemporâneo.
Por séculos, o papel masculino foi claramente definido: o homem era o provedor, o protetor, aquele que não cede às emoções. Essa construção idealizada foi alimentada pela necessidade social de estabilidade, onde qualquer sinal de fragilidade masculina era interpretado como uma ameaça à ordem estabelecida. No entanto, com a chegada do século XXI, essas premissas começaram a ruir.
Os movimentos de emancipação feminina, a valorização da sensibilidade emocional e a expansão de novas formas de masculinidade criaram um abalo nos alicerces que sustentavam a ideia do “macho alfa”. A partir daí, surge um conflito interno: como se redefinir em um mundo onde os antigos referenciais já não servem, mas onde novos modelos ainda parecem incertos?
Na sociedade do espetáculo, como descrita por Guy Debord, não apenas a vida pública, mas também a identidade pessoal se tornou uma espécie de performance. Para muitos homens, isso se traduz na necessidade incessante de provar sua masculinidade, seja por meio do sucesso profissional, da aparência física ou da conquista sexual. O homem contemporâneo, muitas vezes, sente-se compelido a encenar a virilidade que já não é tão clara para ele.
Esse “espetáculo da masculinidade” gera uma enorme pressão. É preciso ser forte, seguro, competente — sem demonstrar insegurança ou vulnerabilidade. No entanto, como destaca a psicanálise, essa necessidade de mascarar a fragilidade não elimina o sofrimento, apenas o empurra para o inconsciente, onde se manifesta como angústia, ansiedade ou depressão.
Gilles Lipovetsky, em A Era do Vazio, nos alerta para o paradoxo do homem moderno, que vive em uma cultura de hiperconsumo e satisfação instantânea, mas que se sente vazio por dentro. A busca constante por validação externa — seja por meio de status, bens materiais ou conquistas sexuais — apenas reforça o sentimento de insuficiência.
O que muitos homens enfrentam hoje é uma crise de sentido. Por que, mesmo após atingir todas as metas que a sociedade propõe, muitos ainda se sentem perdidos? O que eles realmente estão tentando preencher com essas conquistas? No fundo, a busca por status é uma tentativa de preencher um vazio que talvez não seja tão facilmente acessível em sua origem. No entanto, muitos não foram preparados para lidar com essas exigências emocionais, o que pode resultar em sentimentos de inadequação e isolamento. Sem um espaço público onde possam expressar suas vulnerabilidades de forma autêntica, o homem moderno se vê aprisionado em um ciclo de solidão, onde a introspecção forçada nem sempre leva ao autoconhecimento, mas ao aumento da angústia.
Para a psicanálise, a angústia que muitos homens sentem hoje é, em grande parte, resultado do conflito entre o desejo inconsciente e as demandas sociais. Ao se afastar das suas emoções e necessidades internas, o homem contemporâneo se desconecta de uma parte essencial de si mesmo. A psicanálise, então, oferece um caminho para resgatar essa conexão perdida, ajudando a dar voz ao que foi silenciado em nome da performance social.
O processo terapêutico é uma oportunidade para questionar: Quem sou eu, além das expectativas que me foram impostas? Que desejos são realmente meus e quais são herdados de uma sociedade que já não me representa?